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Filosofia pra quê?

Eu curso uma segunda graduação em Filosofia. Aí você se pergunta: Filosofia pra quê? Algumas más línguas dirão que é apenas pela carteira de estudante para pagar meia entrada nos shows e no cinema. Outros talvez se perguntem, mas, afinal, para o que serve a Filosofia? Nada melhor que uma pergunta para começar a falar de Filosofia, afinal, do pouco que aprendi estudando-a (tenho consciência de que não sou um aluno muito dedicado, infelizmente), certamente a melhor lição é que importa mais fazer as perguntas certas do que propriamente encontrar as melhores respostas. Mas isso que os gregos iniciaram ainda antes de Cristo e que não parece mais do que uma conversa de louco pra muitos, ainda tem sentido e utilidade nos dias de hoje? Posso apostar que sim, mas não devemos avaliar sua importância pelo critério da utilidade, como um saber que te capacita para uma profissão específica, por exemplo, ou como algo cuja aplicação permita um retorno financeiro qualquer. A Filosofia não é prática por...

Conto: Convite para o velório

Aposentou-se do trabalho, mas não da rotina. Vivia sozinho e saía de casa todos os dias no mesmo horário, ao início da tarde, para ir até o centro da pequena cidade, onde ficava por horas no passeio público, ao lado da lancheria, assistindo ao movimento dos passantes e esperando algum conhecido para trocar conversas. Com o tempo, passou a reparar que o número de passantes conhecidos, mais velhos como ele, estava diminuindo e dando lugar a pessoas mais jovens a quem não conhecia. No último velório a que compareceu, sentiu certa piedade do morto - igualmente idoso - por reunir tão poucos interessados em sua despedida. Agora, parado ali na beira da calçada com as costas para a parede da lojinha de roupas, essa lembrança lhe veio como um susto: e se não vier ninguém ao meu velório?! O tamanho incômodo dessa imagem se ergueu como uma ameaça que agora passava a temer mais que tudo. De uma certa forma, relacionou a possível ausência de pessoas ao seu velório como o símbolo de uma vida fracass...

Criando o tigre

O hábito de beber é como criar um tigre em sua própria casa. A convivência prazerosa, sobre a base de uma confiança estabelecida no tempo, pode acabar em tragédia e você se ver em algum momento devorado pelo tigre, assim como pode perder muito, e até a própria vida, pela dependência em álcool. Simples assim. No meu caso, acredito que tenha conseguido manter o tigre domesticado ao longo desses meus cinquenta e poucos anos, com maiores riscos corridos na juventude. Hoje, até pelo avanço da idade, preocupo-me mais em relação aos efeitos danosos do álcool para a minha saúde física e mental, e passei a considerar mais a possibilidade de abolir a bebida. Mesmo que nunca tenha perdido o controle ou me excedido a ponto de acarretar danos às minhas relações pessoais, trabalho e - com certa surpresa - à saúde, me pego questionando os efeitos supostamente benéficos até do tal beber socialmente ou com moderação. Vejo que o álcool cria ciclos e rotinas perigosas em nossas vidas, facilmente tornando...

A escolha de ser Luís Fernando Verissimo

  Na madrugada do que seria um lindo sábado de sol, faleceu ontem o escritor, cartunista e músico Luís Fernando Veríssimo, aos 88 anos de idade, em Porto Alegre. Não superou o agosto, depois de vários dias internado tratando um quadro de pneumonia. Logo as redes sociais e os meios de comunicação foram tomados sobre informações da vida e obra do escritor gaúcho, com suas frases carregadas de ironia e profundidade, a timidez nas raras entrevistas e a unanimidade sobre o seu talento em crônicas humoradas do nosso cotidiano. Foi curioso saber, dito por ele, que começou a escrever tarde, somente aos 30 anos, em dúvida se deveria ser um escritor como o seu pai, Érico. De fato, embora tenha escrito algumas novelas e romances, destacou-se mesmo no ofício de cronista e contista, com personagens marcantes como o detetive sem glamour Ed Mort e o pitoresco Analista de Bagé. Também me chamou a atenção uma de suas frases: “vivemos cercados pelas nossas alternativas, pelo que podíamos ter sido”. ...

Amar é fácil

No filme "Amores Materialistas" é dito algumas vezes que amar é fácil. A história se passa em torno dos encontros que a protagonista, uma casamenteira profissional, tenta estabelecer entre seus clientes visando a um casamento que atenda as exigências de cada um deles em relação ao parceiro ideal que procuram. A trama também passa pelos relacionamentos da atriz principal com um milionário charmoso e gentil - um "unicórnio" que reúne todas as qualidades exigidas de um alvo desse mercado -, e também pelo reencontro com o seu antigo namorado. O filme retrata as dificuldades das pessoas em amar quem não se enquadra no modelo ideal de parceiro(a) que cada um estabelece, como se estivesse configurando um carro para comprar, porque, afinal, as pessoas são pessoas e não coisas. As pessoas são o que são. E como se torna difícil atender a tantos requisitos, mais difícil ainda é encontrar quem se enquadre no modelo idealizado. E quando parece haver encontrado, pode surgir uma c...

Meus dois leitores

Hoje escrevo para vocês, meus dois leitores que desconheço, mas que sei que acompanham esse blog com lealdade exemplar. Tenho textos com muitos leitores, mas sei que vocês dois são os que mais prontamente os lêem, antes mesmo da minha esposa, a quem quase nunca aviso quando publico. Saibam que não consigo identificá-los, por isso, como nunca se manifestam, imagino que prefiram o anonimato. Também acho melhor assim, porque não sabendo quem são, não ficarei intimidado por imaginar o que poderão pensar das muitas bobagens que escrevo aqui. Além disso, esse mistério me permite devanear imaginando que vocês possam ser um de meus ídolos ou celebridades que admiro. Mas, mesmo que vocês não o sejam, já tem toda a minha gratidão por acompanharem este blog onde coloco em palavras muitas ideias, boas ou não, que me dão vontade de desenvolver nesses escritos. Afinal de contas, ninguém escreve só para si próprio, mas para tentar tocar outras pessoas de alguma forma. Por isso, sempre que coloco algo...

O vampiro

Não acredito em vampiros. Mas, sim, há forças transformadoras que afetam o comportamento humano. As que são positivas, como o amor e a fé, e as que são negativas, como o ódio e o desencanto. O dinheiro pode ser uma dessas forças que transformam e, no extremo, levam à supressão da humanidade e do sentimentalismo em uma pessoa. Isso porque ter dinheiro e ganhá-lo, a partir de um ponto, pode se tornar a única coisa que interessa a quem o acumula. A partir do ponto em que ele atende nossas necessidades básicas e permite realizar nossos sonhos de consumo, o dinheiro pode passar a ser um valor por si mesmo e a regra de conduta que vai medir as atitudes em razão do resultado financeiro que elas possam gerar. Quando isso acontece, o dinheiro, gradualmente, começa a excluir os sentimentos e os demais valores que antes conduziam a vida daquela pessoa que, então, fica "vampirizada" por essa sede que é insaciável e só pode ser alimentada pelo dinheiro que segue acumulando e do qual já nã...